Os tributos no agronegócio: o crédito presumido previsto no artigo 8º da lei federal nº. 10.925/2004 e a inobservância da não cumulatividade ao PIS/COFINS para o setor do agronegócio.

Resumo do objeto do artigo: Análise do tratamento legislativo federal brasileiro dispensado à não cumulatividade aplicada à Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) no setor do agronegócio, tendo como enfoque a norma do artigo 8º, prevista na Lei Federal nº. 10.925/2004, perscrutando, do ponto de vista constitucional, se houve a efetiva e completa observância da não cumulatividade aplicável aos contribuintes que produzem determinadas mercadorias de origem animal ou vegetal, destinadas à alimentação humana ou animal.

Introdução.

As atividades pertencentes ao agro estão preponderantemente ligadas ao setor primário da economia, o qual se mostra significativamente vulnerável às intempéries climáticas e econômicas globais, acentuando, de forma desproporcional, os riscos para o desenvolvimento das atividades pelo produtor rural pessoa física, jurídica e agroindústria.

Atento às contingências negativas que o setor do agronegócio perpassa, foi que o Constituinte de 1988 reservou texto no altiplano normativo (artigo 187, inciso I, da CRFB/1988) a fim de calibrar o vetor da isonomia tributária frente aos demais setores da atividade econômica, tendo em vista as peculiaridades existentes.

À luz da norma acima, redireciono o texto para o centro do nosso artigo, com a finalidade de debatermos as implicações da não cumulatividade da tributação das contribuições ao PIS e à COFINS no setor do agronegócio, especificamente, quanto a previsão de crédito presumido no artigo 8º da Lei Federal nº. 10.925/2004.

Do fundamento de validade das contribuições ao PIS e à COFINS.

A espécie tributária contribuições tem despertado a atenção dos juristas, sobretudo, a Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), “haja vista que têm sido manipuladas com deliberado intuito de incremento de receita[1] pela União Federal.

O artigo 149 da Constituição da República de 1988 confere à União competência para instituir (i) contribuições sociais, (ii) contribuições de intervenção no domínio econômico e (iii) contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas.

Fitarei o meu olhar nas contribuições sociais. O artigo 195 ainda prevê outras incidências tributárias para as contribuições, contudo, circunscreverei a minha análise nas contribuições sociais incidentes sobre a receita ou o faturamento, às quais estão representadas pela Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e pela Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Desse modo, o fundamento de validade normativo das contribuições ao PIS e à COFINS encontra guarida nos artigos 149 e 195, inciso I, alínea “b”, da Constituição de 1988. Portanto, a União deve legislar a partir do texto constitucional.

Atualmente, regem as contribuições ao PIS e à COFINS não cumulativas, respectivamente, as Leis Federais de números 10.637/2002 e 10.833/2003. Referidas leis tiveram o condão de instituir, no plano infraconstitucional, a não cumulatividade dessas contribuições sociais.

O regime da não cumulatividade nas contribuições sociais ao PIS e à COFINS.

As contribuições sociais ao PIS e à COFINS se caracterizam como tributos plurifásicos, pois elas incidem de ponta a ponta na cadeia produtiva. Desse modo, o intuito da não cumulatividade é aplacar a “incidência plurifásica-cumulativa” de determinados tributos.

Com o objetivo de aplacar o efeito cascata presente nas contribuições ao PIS/COFINS, introduziu-se a não cumulatividade no sistema normativo brasileiro por meio das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003. O abatimento de créditos gerados na entrada de insumos e abatidos na saída do produto está disciplinado, em ambas as leis, no artigo 3º.

Somente em dezembro de 2003, o constituinte derivado, por meio da Emenda Constitucional nº. 42/2003, inseriu no altiplano normativo a não cumulatividade para as aludidas contribuições sociais, adicionando o §12 ao artigo 195, da Constituição de 1988.

No entanto, não andou bem o constituinte derivado ao deixar sob o crivo da lei a definição dos setores para os quais as contribuições ao PIS à COFINS (artigo 195, inciso I, alínea “b”, CF/88) incidirão.

Desse modo, partilho do entendimento de que a redação do §12, do artigo 195, da CF/88, limitou a não cumulatividade, pois delegou ao legislador infraconstitucional a autorização para adotar a não cumulatividade de forma setorizada, quando deveria ter previsto a aplicação geral, para qualquer setor da atividade econômica.

Inobstante o posicionamento pessoal deste autor, consigne-se que o critério adotado pelo legislador infraconstitucional para segmentar os contribuintes que se submetem e os que não se submetem à não cumulatividade do PIS/COFINS foi a opção da apuração ou não do imposto sobre a renda pelo regime do lucro real.

Constrói-se essa conclusão a partir do que está estabelecido no artigo 8º, da Lei Federal nº. 10.637/2002, e no artigo 10, da Lei Federal nº. 10.833/2003. Portanto, essa sistemática utilizada pelo legislador acabou desrespeitando a dicção do §12 do artigo 195 da CF/88, pois regulamentou a não cumulatividade em desconformidade com o texto constitucional.

O critério eleito pelo legislador não encontra respaldo na Constituição, notadamente para as sociedades agropecuárias. Deixando de disciplinar a não cumulatividade pelos setores da atividade econômica, o legislador acaba por prejudicar o setor do agronegócio, principalmente, quando se olha para as peculiaridades e para a realidade fática inerentes a este segmento, o que acentua as distorções do setor.

Soma-se a isso o fato de que a lei veda a tomada de créditos pelas pessoas jurídicas do agronegócio de insumos adquiridos de pessoas físicas, refletindo no indesejado efeito cascata da carga tributária das contribuições sociais ao PIS e à COFINS.

Por essa razão, entendo que o legislador deveria assegurar o direito à integral tomada de créditos das contribuições sociais ao PIS e à COFINS ao longo de toda a cadeia produtiva do agronegócio.

Não é possível admitir a submissão da pessoa jurídica ao regime não cumulativo e, de outro lado, negar-lhes o direito à tomada dos respectivos créditos tributários.

É uma falácia jurídica acreditar que na operação de venda de insumos pelo produtor pessoa física à pessoa jurídica do agronegócio não esteja imiscuída as contribuições ao PIS e à COFINS. Pergunta-se, de quem o produtor pessoa física adquire insumos para a sua produção? Ora, adquire de uma pessoa jurídica que é sujeito passivo de PIS/COFINS, portanto, é indubitável que há repercussão tributária e se há repercussão deve ser mantida integralmente a não cumulatividade em toda a cadeia do agronegócio, garantindo-se o direito à tomada desses créditos.

Diante desse quadro, ao restringir os créditos àqueles que lidam com o setor primário o legislador incorre em verdadeiro descompasso com o texto constitucional, contrariando as normas do §12, do artigo 195, do inciso I, do artigo 187, c/c. o inciso II, do artigo 150, todos da CF/88.

Do crédito presumido na tributação das contribuições ao PIS e à COFINS não cumulativa previsto no artigo 8º da lei 10.925/2004.

Não há na legislação brasileira a conceituação sobre o instituto do crédito presumido. Assim, a doutrina pátria tem extraído dos textos legislativos que preveem o instituto, a construção das suas características e conceito.

O Professor Fábio Pallaretti Calcini é um desses autores que conseguiu retratar o conceito a partir do texto legislativo:

O crédito presumido para o PIS e COFINS tem por pressuposto o fato de que, dentro da cadeia do agronegócio, existem inúmeros custos e despesas com incidência de tais contribuições que se agregam ao produto agronegócio, que, em geral, denominamos de “resíduos tributários”. De tal sorte, para se dar efetivo cumprimento à não cumulatividade expressamente reconhecida no texto constitucional no artigo 195, §12, tornou-se fundamental a criação por meio de lei do crédito presumido”.

Possivelmente, com a finalidade de atenuar os efeitos das prescrições inconstitucionais criadas, o legislador federal disciplinou o crédito presumido para as pessoas jurídicas do agronegócio adquirentes de insumos de pessoas físicas.

Nesse sentido, a Lei Federal nº. 10.925/2004 estabeleceu no artigo 8º que, as pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal prescritas na sua previsão, desde que destinadas à alimentação humana ou animal, têm direito ao crédito presumido.

Vamos à redação do supracitado dispositivo:

Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física”.

Cumpre ressalvar que as Leis Federais de números 12.058/2009, 12.350/2010, 12.599/2012 e 12.865/2013 derrogaram o crédito presumido previsto no artigo 8º da Lei Federal nº. 10.925/2004 para alguns desses produtos, uma vez que lhes concederam outros percentuais de crédito presumido, bem como o artigo 32, da Lei Federal nº. 12.058/2009, suspendeu a incidência na cadeia frigorífica, desde que a aquisição e venda sejam no mercado interno e que não haja venda a varejo.

Desse modo, o crédito presumido referido no Caput do repisado artigo compreende as seguintes mercadorias produzidas e vendidas por pessoa jurídica: (i) Carnes e miudezas comestíveis; (ii) Peixes crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos; (iii) Leite e laticínios, ovos, mel natural, produtos comestíveis de origem animal; (iv) Frutas, cascas de cítricos e de melões; (v) Café, chá, mate e especiarias; (vi) Cereais; (vii) Produtos da indústria de moagem, malte, amidos e féculas, inulinas, glúten de trigo; (viii) Sementes e frutos oleaginosos, grãos, sementes e frutos diversos, plantas industriais ou medicinais, palhas e forragens; (ix) Gorduras e óleos animais ou vegetais; produtos de sua dissociação, gorduras alimentares elaboradas, ceras de origem animal ou vegetal; (x) Preparações de carne, de peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos; (xi) Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares, alimentos preparados para animais.

Até aqui é possível extrair que a materialidade nuclear do crédito presumido sob análise é a aquisição de insumos de pessoas físicas, inclusive cooperados pessoas físicas. O destinatário desse direito são as pessoas jurídicas produtoras das mercadorias discriminadas no artigo 8º, condicionando-o à destinação do produto para a alimentação humana ou animal.

A partir do texto normativo ora desvendado, é possível conceber o seguinte raciocínio lógico dedutivo:

Premissa Maior: O legislador instituiu o direito ao crédito presumido para a pessoa jurídica que produz mercadorias de origem animal ou vegetal, destinadas a alimentação humana ou animal;

Premissa Menor: Tal pessoa jurídica usufrui desse crédito presumido a partir da aquisição de determinados bens/insumos de pessoa física;

Conclusão: Constata-se que há sobreposição do custo tributário na aquisição pela pessoa jurídica do insumo fornecido pela pessoa física, caso contrário não haveria a instituição do crédito presumido pelo legislador.

Referido raciocínio tem o condão de ratificar o posicionamento de que as contribuições sociais ao PIS e à COFINS são tributos plurifásicos, portanto, possuem natureza cumulativa, ensejando a necessidade de aplacar o efeito cascata presente em toda a sua cadeia produtiva mediante a adoção integral da não cumulatividade prevista no §12, do artigo 195, da CF/1988.

Aliás, pior do que atestar a presença do efeito cascata na cadeia produtiva do agro, é identificar que o “benéfico” crédito presumido previsto no artigo 8º da Lei nº. 10.925/2004 não aplaca a sobreposição tributária existente na respectiva operação.

À luz do adrede exposto, as contribuições ao PIS e à COFINS possuem uma alíquota total de 9,25% sobre a receita mensal da pessoa jurídica. No entanto, as pessoas jurídicas produtoras estão proibidas de usufruírem dos créditos oriundos da aquisição de insumos de pessoa física.

Essa é a regra aberrante. Uma das exceções existentes é o artigo 8º da Lei nº. 10.925/2004.

Conforme já delineado anteriormente, referida vedação contraria a natureza jurídica da não cumulatividade tributária, uma vez que a maioria dos insumos adquiridos pelas pessoas jurídicas do agro advém de pessoas físicas.

Se o legislador aplicasse integralmente a não cumulatividade às pessoas jurídicas do agro, observando a setorização prevista no §12 do artigo 195 da CF/1988, tais pessoas jurídicas teriam direito ao creditamento das entradas na proporção de 9,25%, podendo ser abatido da saída tributada no mesmo percentual.

Contudo, a exceção à regra, a qual está disposta no artigo 8º da Lei 10.925/2004, manteve a inobservância da não cumulatividade ao PIS/COFINS, tendo em vista que “o crédito presumido não corresponde aos tributos incidentes ao longo da cadeia produtiva”, conforme se extrai do disposto no §3º do repisado dispositivo:

“§3º O montante do crédito a que se referem o caput e o § 1º deste artigo será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas aquisições, de alíquota correspondente a:

I – 60% (sessenta por cento) daquela prevista no art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para os produtos de origem animal classificados nos Capítulos 2, 3, 4, exceto leite in natura , 16, e nos códigos 15.01 a 15.06, 1516.10, e as misturas ou preparações de gorduras ou de óleos animais dos códigos 15.17 e 15.18;

III – 35% (trinta e cinco por cento) daquela prevista no art. 2º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002 , e 10.833, de 29 de dezembro de 2003 , para os demais produtos.

IV – 50% (cinquenta por cento) daquela prevista no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para o leite in natura , adquirido por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, regularmente habilitada, provisória ou definitivamente, perante o Poder Executivo na forma do art. 9º -A;

V – 20% (vinte por cento) daquela prevista no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para o leite in natura , adquirido por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, não habilitada perante o Poder Executivo na forma do art. 9º-A”.

Note que, ao instituir o crédito presumido, o legislador federal reconheceu, tacitamente, a existência do efeito cascata nos insumos adquiridos da pessoa física, contudo, de forma parcial, observou a não cumulatividade, o que, em nossa opinião, torna-se ainda mais contraditória e anti-isonômica a previsão.

Como luz no fim do túnel, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 607.109-PR, sob o voto divergente do Ministro Gilmar Mendes, estabeleceu entendimento acerca da inconstitucionalidade dos artigos 47 e 48 da Lei nº. 11.196/2005, fixando a seguinte tese:

São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis“.

Inobstante o fato de a lei objurgada aplicar-se ao seguimento das pessoas jurídicas destinadas à reciclagem, importa trazer a lume a ratio decidendi do precedente, uma vez que a fundamentação utilizada pelo Ministro Gilmar Mendes se amolda ao entendimento disposto neste artigo.

Em resumo, a discussão do RE cingia-se à constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005 que, destoando da lógica não cumulativa, “proíbem empresas submetidas ao regime não cumulativo – sujeitas, portanto, à alíquota majorada – de compensarem créditos oriundos da aquisição de insumos recicláveis”.

Nesse sentido, gostaria de trazer à baila trecho do fundamento do voto divergente do Ministro Gilmar Mendes, o qual resume, de forma cabal, os malefícios da inobservância do regime não cumulativo:

“[…] ao sustentar que as alterações introduzidas pelos arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005 não ensejam prejuízos econômicos para a indústria de reciclagem, o Fisco ignora a possibilidade concreta de os créditos fiscais superarem o valor do PIS/COFINS recolhido na etapa anterior da cadeia de produção.

O equívoco, data vênia, é manifesto. Na realidade, para que houvesse uma autêntica equivalência entre a carga tributária da indústria de reciclagem e da indústria assentada no manejo florestal, seria necessário que tanto fornecedor quanto adquirente estivessem invariavelmente sujeitos ao regime não cumulativo, contribuindo, portanto, pela alíquota de 9,25%. Somente assim, o regime previsto nos arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005 – isenção tributária na etapa anterior, associada à vedação ao aproveitamento de créditos – induziria ao acúmulo de carga tributária idêntica à proporcionada pela sistemática de não cumulatividade prevista nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 – tributação do fornecedor pela alíquota de 9,25%, conjugada com o aproveitamento de créditos na mesma proporção.

[…]

Exemplificando: quando a recorrente adquire insumos de cooperativas de catadores de material reciclado, a fornecedora é isenta do pagamento de PIS/COFINS (art. 48 da Lei 11.196/2005). Como contraponto, a adquirente fica proibida de apurar e compensar créditos fiscais (art. 47). Assim, no caso de uma venda hipotética de aparas de papel por R$ 100,00, o insumo ingressaria na fabricante livre de tributos, mas a operação subsequente seria onerada pela alíquota nominal de 9,25%. Nesse exemplo, assumindo que o papel reciclado é vendido ao consumidor final por R$ 200,00, a carga tributária total incidente sobre a cadeia de produção seria de R$ 18,50.

Se a recorrente, contudo, optar pela utilização de insumos extraídos da natureza, a lei não prevê isenção para cooperativas de manejo florestal, que acabam contribuindo pela alíquota reduzida de 3,65%. Tudo o mais constante, o valor das contribuições sociais devidas pela fornecedora dos insumos seria de R$ 3,65. Posteriormente, na venda de papel reciclado ao consumidor final, a recorrente recolheria PIS/COFINS pela alíquota de 9,25% (R$ 200,00 x 9,25% = R$ 18,50). Teria direito, todavia, ao abatimento de crédito fiscal, calculado pela aplicação da alíquota incidente em suas operações (9,25%) sobre o preço de aquisição dos insumos (9,25% x R$ 100,00 = R$ 9,25). Assim sendo, neste caso, a carga tributária total seria de R$ 12,90 (R$ 3,65 + {R$18,50 – R$ 9,25}) […]”.

Em linhas seguintes, o Douto Ministro arremata afirmando o seguinte:

“[…] Os exemplos fornecidos, contudo, são oportunos por demonstrar que, quando submetidas a condições de mercado similares, as empresas que adquirem matéria-prima reciclável não competem em pé de igualdade com as produtoras que utilizam insumos extraídos da natureza, cujo potencial de degradação ambiental é indubitavelmente superior[…]”.

Fazendo um contraponto com a hipótese analisada neste artigo, denota-se que, similarmente, o formato atualmente adotado pelo artigo 8º da lei 10.925/2004 conflita com o postulado da igualdade tributária quando se analisa outros setores da economia.

Ressalte-se que, na cadeia produtiva do agronegócio, devemos sempre tomar por base a seguinte peculiaridade: que a maioria dos insumos são adquiridos de pessoas físicas, das quais a legislação não permite tomar crédito, ou, quando permite, a tomada de crédito não é integral.

Diante desse quadro, o precedente oriundo do RE 607.109-PR vem como alento, ainda que incipiente, no sistema jurídico-tributário brasileiro, pois ratifica o pressuposto de que os tributos plurifásicos, como os são as contribuições sociais ao PIS e à COFINS, devem ser aplacados integralmente pela não cumulatividade durante toda a cadeia produtiva do agronegócio.

Conclusão.

Em conclusão, podemos afirmar que o crédito presumido disposto no artigo 8º da Lei 10.925/2004, confirma a tese de que, se a lei objetivou reduzir os reflexos econômicos advindos da aquisição de insumos de pessoa física, é porque existe sobreposição de tributos nessa aquisição.

A manutenção da parcialidade dos créditos presumidos prevista no §3º do aludido artigo, denota a desigualdade tributária que o setor do agro tem sofrido, principalmente porque os percentuais previstos a título de crédito presumido não correspondem à totalidade do custo dos insumos adquiridos, causando um desnível entre setores econômicos, descurando das peculiaridades do setor do agronegócio, as quais o texto constitucional determinou observância.


[1] Loubet, Leonardo Furtado. Tributação Federal no Agronegócio. 1. ed. – São Paulo : Editora Noeses, 2017 – pg. 431.


Thiago de Oliveira Freitas, é sócio fundador do escritório Freitas e Garcia Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Tributário pelo IBET.

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